Introdução
Nos últimos anos, o Brasil presenciou episódios de grande repercussão envolvendo condutas antiéticas praticadas por executivos e controladores de empresas de destaque. Esses casos expõem um dilema sensível: o que acontece quando a falha ética não vem da base, mas do próprio topo da organização?
O papel do Compliance, nesse cenário, deixa de ser apenas preventivo e educativo, passando a ser um verdadeiro escudo de proteção da empresa (pessoa jurídica), capaz de mitigar riscos regulatórios, preservar a reputação e garantir a continuidade dos negócios.
Empresa e Acionista: a autonomia da pessoa jurídica
Um princípio jurídico essencial precisa ser lembrado: a empresa não se confunde com seus acionistas ou administradores.
Embora o controlador possua poder de decisão, a companhia tem personalidade própria e deve ser preservada de práticas individuais que a coloquem em risco. Nesse contexto, o Compliance deve agir em defesa da empresa, e não como instrumento de proteção pessoal de quem ocupa cargos de poder.
Quando essa distinção não é respeitada, instala-se um conflito de interesses que mina a credibilidade do programa de integridade e fragiliza a governança.
O protagonismo do Conselho de Administração
Em casos de infrações graves, o Conselho de Administração é chamado a agir. Compete a ele assegurar a independência do Compliance, instaurar comitês de investigação, contratar auditorias externas e, se necessário, deliberar sobre medidas cautelares contra gestores envolvidos.
A omissão do conselho não é neutralidade. Pelo contrário, trata-se de omissão que pode comprometer a sustentabilidade da empresa e expor todos os stakeholders a riscos jurídicos e financeiros.
Compliance independente: a serviço da empresa
Um erro recorrente em organizações é tratar o Compliance como um braço do controlador. Essa visão é equivocada e perigosa.
O Compliance não é advogado do acionista, tampouco um departamento de gestão de crises de imagem do CEO. Seu compromisso deve ser com a pessoa jurídica, com os empregados, investidores, fornecedores e com a sociedade em geral.
Para isso, é fundamental garantir acesso direto ao Conselho de Administração, autonomia orçamentária e proteção contra retaliações internas.
O papel dos investidores como contrapeso
Além do conselho, os investidores desempenham papel essencial de contrapeso.
Antes de liberar recursos, é indispensável reforçar o processo de due diligence no sistema de compliance da empresa, avaliando controles internos, canais de denúncia e governança.
Na dúvida, investidores responsáveis devem exigir planos de ação objetivos, cronogramas de mitigação de riscos e métricas de acompanhamento. Mais do que uma formalidade, essa postura protege tanto a companhia quanto o próprio capital investido.
Não dá mais para deixar o "bode na sala"
O ditado popular resume bem a questão: não dá mais para deixar o bode na sala.
Fechar os olhos para conflitos de interesse ou acobertar irregularidades vindas da alta gestão apenas adia o inevitável. A história mostra que companhias que toleraram práticas nocivas em sua liderança acabaram sofrendo perdas bilionárias, deterioração de imagem e longos processos judiciais.
Conclusão
O fortalecimento do Compliance no Brasil exige mudanças estruturais de mentalidade e prática:
- A empresa deve estar acima dos interesses individuais do acionista ou gestor.
- O Conselho de Administração deve assumir o papel de guardião da ética corporativa.
- O Compliance precisa de independência efetiva para proteger a pessoa jurídica.
- Investidores devem atuar como fiscais externos, reforçando due diligence e exigindo mitigação de riscos.
Mais do que um requisito regulatório, o Compliance é um pilar de sustentabilidade empresarial. Ignorar esse princípio é insistir em manter o bode na sala, até que o próprio ambiente corporativo se torne insustentável.

